JPcavalcanti

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Quatro quadras de beleza e a cegueira masculina.

Pequeno ensaio aos homens que não as deixam caminhar.

Falta ao homem enxergar a mulher como um ser humano. Parece desesperadora essa frase, mas esse é o ponto de precariedade que chegamos como raça. Ontem estava andando na rua e por umas quatro quadras deu a coincidência d’eu seguir os passos de uma menina linda que rapidamente se deslocava pela cidade. Ela deveria ter uns 16 ou 17 anos, usava uma roupa de verão e seu corpo era realmente bonito. A menina estava enfurnada em seus fones de ouvido e andava num passo muito rápido — era como se soubesse dos riscos que corria naquela travessia.

Foi incrível notar como TODOS os homens por quem ela passou nesse caminho não conseguiam ficar incólumes ao seu movimento. Alguns balançavam a cabeça, outros bufavam, vários comentavam com amigos ao lado e todos eles acompanhavam com olhar de desejo. Era um evento cósmico em plena calçada. Parte destes homens reagiam com certa malícia e outra parte com algum desrespeito. Nestas quatro ou cinco quadras, pelo menos em três momentos diferentes, alguns destes homens mexeram com a menina falando algumas palavras de baixo calão que já conhecemos bem — sorte que ela estava com seus fones de ouvido, ignorando os ventos machistas que balançavam seus cabelos e puxavam sua saia. Quando era necessário parar para atravessar um cruzamento, ela olhava rapidamente para os lados e seguia a passos firmes em suas sandálias arrastadas. Eu, mais comprido do que ela, usando meu tênis de corrida e fazendo meu exercício de caminhada a emparelhava no ritmo, tamanha era a vontade dela de chegar onde quer que ela deveria chegar, sem olhar pro lado e sem querer saber o que se passava a sua volta.

Meu choque foi com a quantidade de assédio, ameno ou pesado, que essa menina sofreu e ignorou em meras quatro quadras. Fico só imaginando a quantidade ao longo de seus 16 ou 17 anos — ou ainda nos anos que virão. Lamento ela ter de tampar os ouvidos e apertar o passo quando caminha na cidade. Mas lamento ainda mais os homens que enxergam a mulher unicamente como um objeto animado que está ali para satisfazer o seu prazer tacanho. Lamento essa crença cultural em todos os níveis em que ela existe e se expressa. De um grito na rua aos charlatões DoYôga. Lamento ela nos outros e lamento ela em qualquer porção ou medida que possa existir em mim. Lamento não apenas por ser bárbaro e medíocre, mas por ser um limitador do que é Real. Essa crença cultural machista é uma cegueira.

Mudança possível? A humanidade da mulher no primeiro plano da consciência masculina.

Tive a graça em minha vida de me tornar pai de duas meninas. Elas são as coisas mais lindas desse mundo e os encantos delas, antes de mais nada, estão no fato de serem seres despertando para a vida. Não há nada mais humano e mais lindo do que o despertar da consciência, da inocência e do aprendizado. Ver um bebê aprender a falar é a coisa mais comovente que há. Por ter tido essa experiência duas vezes, fui letrado na arte de observar consciências humanas despertando para a linguagem e para o mundo.

Hoje quando olho para uma mulher, sinto naturalmente que por trás (ou, às vezes, na frente) do meu desejo masculino — pois ele existe e é autêntico — há algo ainda mais verdadeiro e mais profundo: a empatia por um ser que sente, que deseja, que busca ser feliz. Esse presente minhas filhas me deram e junto com ele o amor, a gratidão e o carinho real por todas as mulheres deste mundo. Desejo que todos os homens tenham a oportunidade que eu tive em minha vida. Não a de se tornarem pais necessariamente, mas a de poderem ver mais fundo e encontrar o ser humano e o ser divino que habita cada mulher — e também cada homem. Assim como desejo às mulheres enxergarem a humanidade de cada homem, a fraqueza, medo e inocência ainda existentes no fundo da alma masculina. Somos todos frágeis afinal de contas, de uma fragilidade comovente e que precisa do olhar do outro.

Aprendamos a nos olhar. Pois quando essa consciência estiver guiando nossos desejos e nosso respeito e interesse concretos estiverem guiando nossas relações, podem ter certeza, que nós teremos dado um passo importante em direção à nossa humanidade — e teremos ajudado a humanidade a dar um passo importante em direção a ela mesma. Porque se errar é humano, amar é ainda mais! — e o amor pode ser simples também. Pode ser você olhar uma linda e jovem mulher andando na rua e enxergar antes do seu desejo, o desejo dela, o simples desejo de uma bela criança querendo crescer e caminhar livremente pela cidade.


Post também publicado em medium.com/@joaocavalcanti