Devolvam o Amor.

Devolvam o Amor.

Carta aberta a um povo.

Lao Tsé, o grande sábio chinês, certa vez disse: “mesmo uma grande jornada começa com um pequeno passo”. Acredito que um dos pequenos passos para a transformação do Brasil — e quiçá do mundo — é devolvermos a palavra Amor à bandeira de nosso país.

Em tempos de tanta turbulência como o que vivemos hoje vemos o medo e o ódio tomando as ruas com a velocidade de uma pandemia desenfrada, enquanto, a solução definitiva para os nossos problemas está do lado oposto deste ódio infeccioso. Não tenho dúvidas de que nossas soluções definitivas como humanidade vivem na dimensão da ética do cuidado e e na ética do afeto como defendem pensadores importantes como o colombiano Bernardo Toro ou o brasileiro Leonardo Boff. Assim como muitos pensadores ao redor do mundo que estão se levantando contra a cultura de guerra que alimentamos há muitos séculos. Nós humanos tentamos mudar as coisas a partir do princípio de luta do espírito de conflito da dimensão masculina e bélica da cultura humana. O resultado? A perpetuação dos ódios hereditários, da violação dos direitos humanos e das guerras mortais. Está mais do que na hora de pararmos com todo o modismo machista deste mundo e acreditarmos no Amor, de modo científico.

Devolver a palavra Amor à bandeira do Brasil é um ato político-humanitário sem precedentes e o impacto positivo de uma nação com o tamanho e o porte do Brasil ao colocar a palavra Amor em seu maior símbolo nacional é incomensurável.

A palavra Amor deveria ter estado na bandeira de nosso país desde o princípio. Para aqueles que não sabem, o lema da bandeira brasileira — Ordem e Progresso — vem de uma famosa frase do pensador Augusto Comte, líder do movimento positivista. A frase de onde o lema de nossa bandeira foi tirado costumava ser a seguinte: O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim.”

A palavra Amor foi suprimida quando os dizeres de Comte foram transplantados para a bandeira nacional. Por quê? Não sei. O que sei é que o Amor nunca deveria ter deixado de estar em nossa bandeira — e como cidadão, representando a vontade de muitos, gostaria de exercer meu direito e pedir que esta palavra seja incluída na bandeira de meu país!

Esse é o primeiro passo de uma grande jornada para que um espaço concreto seja aberto e propicie o retorno do Amor em nossas vidas e em nossa sociedade humana. Precisamos começar de algum ponto. Nem que seja de uma bandeira. Regras ou pedidos, planos ou estratégias. Abro mão de tudo isso. Nada de petição, voto ou abaixo assinado. Meu pedido e meu desejo, que acredito ser também o pedido do mundo e o desejo do mundo se traduzem na imagem abaixo somado a esse pedido direto aos governantes e também aos cidadãos deste país: Devolvam o Amor!


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Quatro quadras de beleza e a cegueira masculina.

Quatro quadras de beleza e a cegueira masculina.

Pequeno ensaio aos homens que não as deixam caminhar.

Falta ao homem enxergar a mulher como um ser humano. Parece desesperadora essa frase, mas esse é o ponto de precariedade que chegamos como raça. Ontem estava andando na rua e por umas quatro quadras deu a coincidência d’eu seguir os passos de uma menina linda que rapidamente se deslocava pela cidade. Ela deveria ter uns 16 ou 17 anos, usava uma roupa de verão e seu corpo era realmente bonito. A menina estava enfurnada em seus fones de ouvido e andava num passo muito rápido — era como se soubesse dos riscos que corria naquela travessia.

Foi incrível notar como TODOS os homens por quem ela passou nesse caminho não conseguiam ficar incólumes ao seu movimento. Alguns balançavam a cabeça, outros bufavam, vários comentavam com amigos ao lado e todos eles acompanhavam com olhar de desejo. Era um evento cósmico em plena calçada. Parte destes homens reagiam com certa malícia e outra parte com algum desrespeito. Nestas quatro ou cinco quadras, pelo menos em três momentos diferentes, alguns destes homens mexeram com a menina falando algumas palavras de baixo calão que já conhecemos bem — sorte que ela estava com seus fones de ouvido, ignorando os ventos machistas que balançavam seus cabelos e puxavam sua saia. Quando era necessário parar para atravessar um cruzamento, ela olhava rapidamente para os lados e seguia a passos firmes em suas sandálias arrastadas. Eu, mais comprido do que ela, usando meu tênis de corrida e fazendo meu exercício de caminhada a emparelhava no ritmo, tamanha era a vontade dela de chegar onde quer que ela deveria chegar, sem olhar pro lado e sem querer saber o que se passava a sua volta.

Meu choque foi com a quantidade de assédio, ameno ou pesado, que essa menina sofreu e ignorou em meras quatro quadras. Fico só imaginando a quantidade ao longo de seus 16 ou 17 anos — ou ainda nos anos que virão. Lamento ela ter de tampar os ouvidos e apertar o passo quando caminha na cidade. Mas lamento ainda mais os homens que enxergam a mulher unicamente como um objeto animado que está ali para satisfazer o seu prazer tacanho. Lamento essa crença cultural em todos os níveis em que ela existe e se expressa. De um grito na rua aos charlatões DoYôga. Lamento ela nos outros e lamento ela em qualquer porção ou medida que possa existir em mim. Lamento não apenas por ser bárbaro e medíocre, mas por ser um limitador do que é Real. Essa crença cultural machista é uma cegueira.

Mudança possível? A humanidade da mulher no primeiro plano da consciência masculina.

Mudança possível? A humanidade da mulher no primeiro plano da consciência masculina.

Tive a graça em minha vida de me tornar pai de duas meninas. Elas são as coisas mais lindas desse mundo e os encantos delas, antes de mais nada, estão no fato de serem seres despertando para a vida. Não há nada mais humano e mais lindo do que o despertar da consciência, da inocência e do aprendizado. Ver um bebê aprender a falar é a coisa mais comovente que há. Por ter tido essa experiência duas vezes, fui letrado na arte de observar consciências humanas despertando para a linguagem e para o mundo.

Hoje quando olho para uma mulher, sinto naturalmente que por trás (ou, às vezes, na frente) do meu desejo masculino — pois ele existe e é autêntico — há algo ainda mais verdadeiro e mais profundo: a empatia por um ser que sente, que deseja, que busca ser feliz. Esse presente minhas filhas me deram e junto com ele o amor, a gratidão e o carinho real por todas as mulheres deste mundo. Desejo que todos os homens tenham a oportunidade que eu tive em minha vida. Não a de se tornarem pais necessariamente, mas a de poderem ver mais fundo e encontrar o ser humano e o ser divino que habita cada mulher — e também cada homem. Assim como desejo às mulheres enxergarem a humanidade de cada homem, a fraqueza, medo e inocência ainda existentes no fundo da alma masculina. Somos todos frágeis afinal de contas, de uma fragilidade comovente e que precisa do olhar do outro.

Aprendamos a nos olhar. Pois quando essa consciência estiver guiando nossos desejos e nosso respeito e interesse concretos estiverem guiando nossas relações, podem ter certeza, que nós teremos dado um passo importante em direção à nossa humanidade — e teremos ajudado a humanidade a dar um passo importante em direção a ela mesma. Porque se errar é humano, amar é ainda mais! — e o amor pode ser simples também. Pode ser você olhar uma linda e jovem mulher andando na rua e enxergar antes do seu desejo, o desejo dela, o simples desejo de uma bela criança querendo crescer e caminhar livremente pela cidade.


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As lentes da simplicidade.

As lentes da simplicidade.

*artigo originalmente publicado em 7 de outubro de 2011 no jornal ‘Estado de São Paulo’ por conta da morte de Steve Jobs.

Qualquer semelhança no óculos ou no olhar que suas redondas hastes emolduram não é mera coincidência. Comparar a morte de Steve Jobs à morte de John Lennon não é descabido. Comparar a passagem de Jobs por nosso tempo com a de Gandhi poderia ser apenas um delírio, mas ainda assim faz sentido.

Revolução é a palavra que une esses gênios. Cada qual revolucionou o mundo a seu modo. Gandhi nos trouxe uma revolução política, Lennon, uma revolução comportamental, Jobs, uma revolução tecnológica. Gandhi parou uma guerra com flores. Lennon mostrou que o sonho pode ser maior do que a vida. Jobs inundou o mundo com a esperança de uma tecnologia simples e humana. Depois deles, o mundo não pode ser mais o mesmo.

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Se os Beatles são maiores do que Jesus, Jobs é maior do que Beatles.

A revolução de Jobs começou com a criação do primeiro computador pessoal e culminou com a concretização do antigo sonho de um livro que tudo sabe. Com o iPad, os tablets estão redesenhando a indústria de dispositivos pessoais e outras indústrias ligadas a conteúdo. Jobs revolucionou muitos mercados: computadores pessoais, cinema, música, celulares, tablets e a publicação digital.

Isso tudo sem mencionar, claro, o produto individual mais bem sucedido de toda a história do capitalismo: o iPhone. Nessa altura, eu já não preciso falar nada para que você entenda o que este produto sozinho criou de mudança na humanidade e na forma como ela vive. Nesse sentido, poderíamos dizer que se os Beatles são maiores do que Jesus (como sugeriu John certa feita), podemos então dizer que Jobs é, definitivamente, maior do que Beatles.

Ele foi um gênio criativo e um maestro da estética. Certa vez alguém perguntou a ele sobre o desenho dos PCs e ele falou: “Eles podem ser até simpáticos por fora, mas você já viu como eles são horríveis por dentro?”. Esse era Jobs, preocupado com o desenho integral do objeto, com a elegância de um produto tanto por fora quanto por dentro. Esse é o segredo da maçã de Steve, a preocupação com o todo e com o detalhe.

Se existe algo que o mundo pode aprender com Jobs, Lennon e Gandhi creio que seja isto: o sonho e a beleza devem estar tanto dentro quanto fora. O que o mundo precisa é de pessoas, marcas, produtos e instituições integrais com uma alma verdadeira por dentro e por fora. Simples, profundos e claros como um prosaico par de lentes redondas.


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