O software da cultura precisa ser atualizado.

O hardware da cultura evoluiu muito rapidamente, mas o software não. Nosso sistema de crenças está restrito em um universo limitado de possibilidades, enquanto a realidade material está explodindo e expandindo em ordens de grandezas exponenciais. Isso faz com que as necessidades físicas das dinâmicas sociais não possam ser completadas, gerando a frustração, o estresse, a ansiedade extrema e a depressão que vêm assolando toda a humanidade nos tempos atuais.

Precisamos, portanto, de um novo ferramental de conceitos, crenças, histórias, estórias... enfim, possibilidades mais cristalinas e abrangentes para podermos avançar sem tanta fricção. Apenas com isso, poderemos atingir melhores e maiores graus de realização individual e coletiva, pessoal e social.

O dilema do transexual, daquele que "sente-se preso no corpo errado" é apenas um exemplo extremo daquele que sofre pela inabilidade do humano em gerar mais conceitos que abranjam mais situações de alteridade e aleatoriedade. Como Charles Peirce falou "o homem cria signos para viver dentro deles". Se um signo não é criado para que essas "situações outras" possam ser vividas, não temos o ethos necessário para que a "vida em mudança" seja de fato vivida pelas pessoas. Este nosso "mundo em mudança" precisa de mais e mais conceitos em mutação, sobre mutação e mutantes em si. 

Vamos ao exemplo simples da necessidade de colocarmos o nosso companheiro e / ou parceiro rapidamente na gaveta de namorado(a), noivo(a), esposo(a), etc. Esses padrões básicos que regem o aspecto do afeto, da sexualidade e da vida relacional dentro de nossa sociedade são alguns exemplos de conceitos básicos dentro de um espectro de possibilidades que está cada vez mais complexo e sofisticado. Porque nossas cabeças e nosso arsenal sígnico também não acompanham isso? Muitos são os fatores. A começar pela mídia que continua a manipular e nos colocar dentro de caixas. O viés do chefe de redação de ontem é substituído pela ditadura do algoritmo de hoje - ou você acredita que conquistamos algum tipo de liberdade real quando o Facebook se torna o maior distribuidor de notícias do mundo?

Vivemos em uma época de riqueza material e emocional mas de pobreza conceitual. Parte considerável da causa está nesta ditadura dos algoritmos do "mais do mesmo" que passamos a viver em nosso cotidiano cibernético.

Na medida que precisamos nos classificar e classificar nossas relações, nos conceitualizar e conceitualizar nossas relações - e nós somos seres classificadores e conceitualizadores por natureza - as coisas começam a ficar um pouco "duras" pois queremos nos encaixar nos padrões disponíveis e isso muitas vezes simplesmente não é possível. Por isso clamo para que novas classificações e conceitos sejam inventados, sugeridos, discutidos e proclamados tanto em nossa vida privada quanto em nossa vida social. Clamo aos artistas, esses guardiões de todo o tipo de liberdade, para que amplifiquem os conceitos. Façam boa arte a amplifiquem os conceitos. Elastifiquem os padrões e as definições. Este é o papel crucial de qualquer artista que esteja vivo hoje. 

É parte do papel do artista promover esta  atualização do software cultural. Por isso, reafirmo com convicção: