Como aprendi a meditar espontaneamente inspirado pelo tédio da adolescência, dois pulmões e uma palmeira bailarina.

Eu tinha 17 anos quando algo incrível me aconteceu. Eu estava voltando da escola em uma tarde qualquer. Andava um pouco triste pois estava sob as condições climáticas de um quarto ou quinto amor platônico não correspondido e, além disso, tinha me dado mal numa prova de matemática que acabara de receber pela manhã. Era o último dia de provas do colégio e agora, na primeira nota que recebia, tinha me dado mal. Seria o prenúncio de um ano ruim? Sei lá, estava exausto. Lembro bem daquele melancólico dia ventoso.

Chegando em casa, onde morava com meus pais e meus irmãos, procurei alguma coisa na geladeira para relaxar a mandíbula. Nada. Preferi tomar um copo de água. Fui para o meu quarto, joguei minha mochila no chão, como costumava fazer, e sentei em minha cama. Estava cansado, mas meu corpo estava bem. Acho que era apenas minha cabeça. Fiquei ali, sem sono, olhando pela janela.

Lá longe, a última coisa que conseguia ver por sobre os telhados de meus vizinhos era uma longínqua palmeira. Ela balançava com preguiça, toda escabelada. Parecia ventar forte, você via na inclinação de seu movimento. Mas do conforto do meu quarto eu enxergava aquela palmeira dançando suave. De um lado para o outro, vagarosamente, quase em câmera lenta. Ela balançava da esquerda e para a direita. Da direita para a esquerda. De novo e de novo. Estava quase hipnotizado, quando tive uma das melhores ideias de minha vida. Não sei porque, resolvi sincronizar a minha respiração com o pendular da palmeira.

Como em uma brincadeira — dessas que só o imenso tédio da adolescência tem a capacidade de criar — passei a inspirar quando a palmeira envergava à esquerda e a espirar quando ela envergava à direita. Minha respiração acompanhava o movimento exato da planta bailarina. De um lado para o outro. De um lado para o outro. Lentamente. Quando me dei conta, estava com os olhos fechados, mas com minha atenção voltada para algo que eu nunca havia realmente prestado atenção: minha respiração.

Estava agora com a atenção totalmente voltada para o ato de respirar. Percebia o modo como o ar entrava em minhas narinas, como ele descia por minha garganta e se expandia em meu peito e barriga. Sentia o ar entrando um pouco mais gelado e saindo um pouco mais quente. Pensei — brincadeira prazerosa essa, mas vamos ver onde isso pode dar. Querendo ir mais fundo, passei a respirar ainda mais lenta e profundamente. Percebi que a tensão negativa da prova de matemática e da menina que gostava escorriam pelo meu corpo na medida que respirava. Percebi outros desconfortos mais profundos e menos identificáveis escorrendo pelo meu corpo também. Continuei respirando. Continuei derretendo as sensações ruins e os sentimentos negativos que, curiosamente, eu conseguia enxergar no meu corpo só pelo fato de ter ficado sentado em minha cama brincado com meus pulmões.

A alegria misteriosa.

Continuei respirando. Respirando e respirando. Até que em determinado momento, quando já havia há muito me esquecido da matemática, da menina ou da palmeira e mesmo de minha respiração, eu passei a sentir um prazer que parecia surgir de um ponto de dentro de mim. Ele vinha da minha barriga, mas estava muito mais dentro do que o estômago. Ele era pequenino e começou a se alastrar por todo o meu corpo. Era uma espécie de alegria que se expandia com carinho pelo o meu peito, pelos meus braços, por minhas pernas, pescoço, cabeça, têmporas, olhos, boca, tudo. Era alegria mesmo. Pura. E meu corpo formigava. Vinha junto uma vontade de agradecer meus pais e meus irmãos, meus amigos, o pessoal da rua, meus colegas, a professora de matemática, a menina. Enfim, queria levantar correndo daquela cama e abraçar a todos. Quase fiz isso. Mas sabiamente voltei para a minha respiração e controlei a força que surgia de dentro de mim. O prazer incontrolável e a alegria misteriosa que surgia simplesmente pelo fato de eu estar vivo.

Quando retomei a concentração na respiração e não no sentimento lembro que aquela força se transformou em uma brisa sutil dentro de mim. Uma brisa ainda mais alegre e realizada do que o prazer imenso que estava sentindo a segundos atrás. Como era possível? Naquele momento um sorriso interno tomou conta de todos os meus pensamentos, de toda a minha psiquê, de todo o meu ser. Aquele era o sentimento mais completo e incrível que eu havia sentido em toda minha vida. Mais incrível do que tirar 10 em matemática, do que beijar a menina que era apaixonado, do que marcar quatro gols em um jogo. Mais incrível do que um orgasmo de frente para o mar ou do que vencer o campeonato estadual de basquete fazendo uma sexta no último segundo. Entendi naquele momento que tudo o que passamos nessa vida serve para que possamos ter apenas aquela experiência que estava sentindo naquele momento. Esse entendimento me vinha junto com uma alegria cada vez mais completa e realizada. As duas coisas — entendimento e alegria — eram uma coisa só.

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Alguns minutos depois passei a enxergar internamente um grande homem, ele tinha o tamanho de uma montanha ou de um planeta embora estivesse dentro de mim. Ele estava sentado como, de uma forma intuitiva, eu também me encontrava sentado. Na posição de pernas cruzadas. Para mim aquilo chamava “sentar como índio”, mas algum tempo depois descobri que chamava-se posição de lótus. Então pensei, é isso que aqueles budas ou monges que vestem aqueles panos em volta do corpo fazem nas montanhas lá na Ásia. É isso.

Eu tinha certeza e continuava sorrindo sutilmente. Então é por isso que eles tem aquele sorriso pequenininho. Então é isso. É isso então o que as pessoas chamam… com é mesmo? Meditação.

Lembro bem, esse foi meu último pensamento envolto por aquele sentimento maravilhoso que eu tinha descoberto pela primeira vez. Aos poucos, fui voltando daquele êxtase. Não fiquei nem um pouco triste ou mexido por estar voltando, de alguma forma sabia que tinha de ser assim e que assim era melhor. Fui abrindo os olhos. Com tranquilidade e ainda com o leve sorriso nos lábios estiquei o meu braço e peguei o meu caderninho de ideias que estava em cima da escrivaninha ao lado da cama. Anotei as seguintes palavras que resumem o entendimento que tive daquela experiência sublime naquela ventosa tarde:

 

“Assim como os peixes nadam e as aves voam, o homem medita.”

 

 


*se você quiser conhecer uma técnica simples e poderosa de meditação para o seu dia-a-dia dê uma olhada nesse post sobre Mindfulness Response.


Post também publicado em medium.com/@joaocavalcanti