Uma diferença no Salão da Turbina.
No ano de 2012 estive em Londres e fiz uma visita ao Tate Modern. Depois de explorar os andares do museu, fui descansar de minhas andanças sentando-me por alguns instantes no Turbine Hall que, diferente de outras ocasiões, não apresentava nenhuma instalação ou escultura como era de costume - ou, pelo menos, assim me parecia.
Enquanto descansava apreciando o movimento randômico das pessoas pelo grande salão, algo inusitado passou a acontecer: uma grande parte das pessoas que estavam naquele zig-zag incessante começaram a se ordenar e se mover de modo coordenado. Quando percebi esse padrão que se formava, minha atenção se transformou totalmente. Como diz Gregory Bateson: “a informação é a diferença que faz diferença” - e uma informação tem a capacidade de modificar por completo nossa forma de atenção e percepção da realidade. Esse é o efeito de uma verdadeira Informação - e era isso o que se passava comigo naquele instante, uma expansão de percepção pois o que ocorria ali gerava uma diferença genuína. O fenômeno que se apresentava e se desdobrava diante de mim certamente se tratava de uma grande diferença e, por isso, conseguia gerar uma diferença interior nas minhas estruturas neuronais, uma diferença relevante.
Algo estava realmente acontecendo no salão. Quando dei por mim já estava envolvido num coral humano que, por vezes, soava em uníssono e, em outros momentos, se deformava em um riacho cacofônico onde caóticas situações e histórias se sobrepunham umas às outras. Depois de longos e oníricos minutos, tudo aquilo se desmontou diante dos meus olhos e dos olhos dos espectadores do processo. O grupo nuclear que havia começado aquela “baderna” diluiu-se nas similitudes do cotidiano e o zig-zag impessoal típico da esfera pública voltou à sua regularidade, sem mais diferenças relevantes, sem mais nova Informação.
O Leão de Ouro da Bienal de Veneza.
Um ano depois fiquei sabendo que aquela situação peculiar vivida por mim tratava-se, de fato, de uma obra de arte. A obra chamava-se “These Associations” e fora construída pelo artista Tino Sehgal - nomeado ao prêmio Turner em 2013. Descobri esta peça não porque fui atrás de informações sobre o acontecimento, mas porque na Bienal de Veneza de 2013 me deparei com duas situações similares que pertenciam a Sehgal que, por sinal, naquele ano ganhou o Leão de Ouro da Bienal com suas “situações construídas”.
A peça referida acima fora, de fato, desenvolvida especificamente para ser apresentada no Turbine Hall, sendo comissionada pelo projeto Unilever Series que, em outras ocasiões, havia sido a plataforma responsável por gerar naquele mesmo espaço poderosas imagens atuais da arte contemporânea, tais como o icônico “sol” de Olafur Eliasson ou a furiosa rachadura de Doris Salcedo que rasgou de fora a fora o chão do salão, além de tantas outras obras físicas de outros renomados artistas. Mas essa obra de Sehgal era diferente. Ela não gerava imagens que pudessem ser mediadas. Nada de gritante esteticamente estava exposto ou capaz de ser capturado por um registro que não a própria vivência dos espectadores/participantes.
Aquela experiência não foi apenas uma diferença que fez a diferença em minha vida, mas ouso dizer que Tino Sehgal é uma diferença dentro da arte contemporânea em si. Seu radicalismo em trabalhar com pessoas comuns como base de seu “suporte” negando-se, inclusive, a mediar a relação destas pessoas que ele seleciona e treina através da teatralidade ou mesmo de uma indumentária proposital, o colocam numa posição de mago transformador do cotidiano e das relações. Sehgal em suas “situações construídas”, dá continuidade à proposta de diferenciação dos Situacionistas do século XX, criando um processo contínuo de diferenciação que faz a diferença em nossa forma de receber, sentir e, mesmo, interpretar a arte.
A “situação construída” é tão fugidia quanto o tempo. Como escreve Suely Rolnik em seu texto “Memória do corpo contamina museu”:
A obra de Sehgal é um processo contínuo de diferenciação que, como um segredo sussurrado ao nosso ouvido, faz a diferença para nós e para o sistema da arte contemporânea.