Apesar do tônus deste texto se apresentar pretensioso, não é essa a intenção deste pequeno “proto-whitepaper”. Qualquer rigor acadêmico está sendo deixado de lado agora para que, sob a luz de uma certa ingenuidade, possa expor meus pontos que em grande parte tem como interesse focal a essência do desenho. Não somente a essência como origem mas também, de modo ainda mais especial, a essência como destino.

O teorema original do desenho.

O desenho de Blombos, na África do Sul, é atualmente o desenho mais antigo da humanidade conhecida. Datando de cerca de 70.000 anos atrás,  é difícil dizer que qualquer outro dispositivo humano possa ser percebido como mais ancestral do que o desenho. A fala ou a música, fenômenos talvez de idade ainda maiores, não possuem registros materiais e são organicamente pertencentes  ao corpo, podendo ser compreendidos não como dispositivos humanos mas, antes, como formas de comunicação intrínsecas ao nosso projeto biológico como espécie. 

De uma forma crua e simples desde sua expressão primeva até suas mais novas expressões dentro da cultura humana, o desenho pode se reduzir ao seguinte teorema:

“O desenho é a memória do rastro em uma superfície.”

Independentemente dos pigmentos ou ferramentas das quais nos utilizemos para realizar este procedimento, o registro de um rastro pode criar uma infinidade de imagens cujas quais podem se desdobrar ou evoluir dentro da cultura de inúmeras formas, dado o seu caráter de perenidade e permanência. No entanto, o desenho como registro ou o desenho como projeto dependem do procedimento do rastro na superfície. Por conta disso, entendo esta constatação como uma fórmula fundamental  do desenho e, por isso, uma das formas fundamentais da arte.

Dada esta constatação, passei a explorar uma forma de desenho muito particular. Esta forma consiste em uma investigação que já dura 10 anos acerca da linha na superfície. Desta obsessiva e singela experimentação nasceram o que chamo de Biogramas. 

O desafio de Entler e um novo teorema do desenho.

Colocar uma imagem (ou um banco de imagens) distantes de nosso universo artístico ao lado dos Biogramas por um mês e receber o que surge dessa relação. Eis o desafio proposto, incialmente, por Ronaldo Entler durante seu módulo na pós-graduação em Práticas Artísticas Contemporâneas na FAAP.

Depois de marinar o desenho de dois biogramas ao lado das imagens de dois livros por quase um mês muitas coisas aconteceram no meu processo psíquico em relação aos biogramas em si. Falarei sobre alguns destes novos processos de entendimento sobre a existência, a função e a relação dos biogramas no mundo, mas coloco aqui de modo bem direto a mudança de eixo central, ou melhor, a expansão do eixo central do meu entendimento do que é o desenho.  Posso dizer que o teorema do desenho que, inclusive, deu origem à minha necessidade de passar a desenhar os biogramas se transformou do “desenho como a memória do rastro na superfície para: “desenho é dança.”

Forçar a relação destas linhas na superfície com corpos colocados em cenas me fez expandir o entendimento, ao menos, de um dos elementos do teorema fundamental do desenho. A ideia de superfície deu lugar à ideia de espaço. Com os avanços da tecnologia digital, cumprir essa tarefa tornou-se algo relativamente simples, mesmo que a exploração do desenho como memória do rastro no espaço esteja ainda em seus primórdios de expressão. Sua forma mais corriqueira, por hora, dá-se dentro do que os tecnocratas chamam de Realidade Aumentada. 

Pesquisando essa ideia do desenho no espaço me deparei com um aplicativo chamado Just a Line (apenas uma linha) que me pareceu converter bem este pensamento e principalmente tornar-se uma ferramenta útil aos Biogramas na esfera do virtual - dado o fato de que os próprios Biogramas são desenhados a partir de uma única linha. Isso conferiu, pela primeira vez, tridimensionalidade para os Biogramas e abriu toda uma nova perspectiva não apenas de produção mas de processo para essa linha de meu trabalho. A descoberta foi tão reveladora durante o processo que eu expandi o teorema original para: o desenho é a memória do rastro no espaço.

Ouso aqui apontar um teorema ainda mais radical e que, certamente, cria um brilho novo para todo o futuro das produções dos Biogramas. Um novo portal se abre e seu campo de exploração pode ser resumir neste novo teorema do desenho que em termos de enunciado fica mais ou menos assim:

“O Desenho é a memória da dança no espaço.”

- João Mognon