O Silêncio Criativo.

O Silêncio Criativo.

O aprendido é aquilo que fica depois que o esquecimento faz o seu trabalho. 
— Rubem Alves

Vou começar com uma pergunta: existe ainda alguma dúvida de que estamos passando por uma transformação total em nosso planeta?

Para aqueles céticos ou simplesmente desconectados, compartilho este video que mostra a expansão e dispersão da humanidade sobre essa nossa Terra de meodeos nos últimos 2 mil anos. Vale dar uma olhada até o fim do video e veja por você mesmo o que estou falando.

O video aqui nos dá uma dimensão nova acerca do que se trata este momento pelo qual estamos passando — ainda mais se incluirmos, além da camada demográfica, as camadas etnográfica, sociográfica e psicográfica desta expansão humana. Com isso, podemos imaginar um pouco melhor o que este tipo de “nomadismo histórico” do homem impactou e impactará o nosso eco-sistema planetário.

Preste atenção! A transformação é geológica, sociológica, econômica, política e apocalíptica.

Não tem jeito! — e já que é assim, precisamos nesse momento ter muito claro aquilo que nos aterra. Aquilo que nos tranquiliza. Aquilo que nos orienta. Aquilo que nos cura. Aquilo que nos alimenta. Aquilo que nos guia. Aquilo que nos faz ser criativos e criadores! Tudo isso em uma dimensão coletiva e individual ao mesmo tempo. Difícil, né? Mas urgente! Do meu lado, afirmo com a convicção de uma vida (ou pelo menos uma porção bem intensa dela):

Aquilo que mais precisamos para orientar positivamente esta grande mudança planetária coletiva e individualmente é o Silêncio.

Silêncio. Isso mesmo! Esta é a tese. A tese de que apenas o espaço vazio pode receber os padrões inteiramente e autenticamente novos que precisamos para resolver a complexidade do mundo atual cheio de problemas inomináveis e passar co-criar um mundo novo — que para aqueles que conseguem enxergar já está nascendo.

Qualquer outra forma de buscar e inspirar o novo e a inovação tende a se impregnar de material cultural antigo, nos mantendo presos em ciclos de repetições dos mesmos problemas e das mesmas questões. Para um novo mundo, precisamos soluções autenticamente novas e estas precisam estar despidas de paradigmas passados. Repito, não conheço instrumento mais eficiente para isso do que o Silêncio — a.k.a. Meditação.

 

Ser e não-Ser — eis a resposta.

Meditar é como mergulhar num cofre cheio. Cada vez que você vai lá, pega umas moedas. 
— David Lynch

Assim como já relatei aqui em minha própria descoberta deste poderoso silêncio interior e também já apresentei uma técnica cotidiana que pode lhe ajudar a ter contato com ele, pretendo, aqui ajudá-lo a entrar em sintonia, pelo menos um pouco, com aquilo que chamo de Silêncio Criativo. Um Silêncio que, ao invés de entediá-lo, lhe carregará de energia criativa e construtiva para ser lançada ao mundo.

O Silêncio Criativo nada mais é do que o reconhecimento do Silêncio como gerador, como arcabouço de idéias formidáveis prontas para nos ajudar em todas as dimensões de nossa vida. Não há nada mais eficiente do que o Silêncio para o despertar da criatividade autêntica e para que o verdadeiramente novo possa emergir. Muitos criativos de grande calibre tem uma percepção parecida. John Cage, por exemplo, sempre teve um fascínio direto pelo silêncio, mesmo sendo o centro de sua produção a música e o universo sonoro — em verdade o silêncio é o elemento perfeito para se construir uma ponte até o som — essa era sua percepção.

 

David Lynch também tem sua fascinação e cultivo cotidiano deste espaço de Silêncio Criativo. Ele aborda em seu livro “Em águas profundas” (Catching the big fish) uma importante metáfora nessa direção:

Se você quer pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas. Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas.
 

O que Lynch quer dizer com isso? Que a meditação, ou o contato sistemático com o silêncio interior, é uma ferramenta poderosa para entrarmos em contato com dimensões de nosso ser que são inacessíveis de outros modos. O livro de Lynch, que é uma apologia à meditação, é um pequeno e belo tratado inspiracional sobre porque e como “treinar” sua mente para atingir esta criatividade autêntica através do contato com o silêncio. Ele mesmo treina esse contato por, pelo menos, 20 minutos ao dia. Lynch tem feito isso sem perder um dia sequer há mais de 40 anos! 

 

Além desta prática pessoal, o diretor tornou-se um dos principais ativistas da meditação no ocidente e defende a prática da Meditação Transcendental como forma de sucesso pessoal e transformação planetária através de seus testemunhos pessoais e de sua David Lynch Foundation.

 

O Silêncio Criador e o Silêncio Criativo.

Trata-se de um poder criativo profundo que o vazio impõe sobre nós. Ser e não-ser — estas são as duas faces de uma mesma moeda. Acredito que é esta liberdade imposta pelo Silêncio que nos orientará à nova fase de desenvolvimento humano, individual e coletivo e de uma Cultura Planetária mais integrada. 

Mesmo a busca por uma estética do silêncio ou da ausência positiva— mostra o atual interesse de nossa cultura contemporânea pela dimensão da não-existência, do silêncio e do vazio. Não o vazio vazio, mas o vazio cheio. O vazio pleno da perspectiva budista — a mente de clara luz — cheio de sentido e poder criador. O vazio que inspira espaços novos cheios de riquezas advindas de uma nova linguagem e entendimento. O entendimento que transcende a separação entre entre ação e não-ação, entre o tudo e o nada, entre a vida e a morte. De novo, são faces de uma mesma moeda.

Este é um princípio culturalmente fresh mas historicamente antigo — nos remetendo a conhecimentos e culturas ancestrais como a linhagem filosófico-espiritual do Advaita Vedanta da Índia antiga que prega a não-dualidade e a unidade. Este princípio remete também a conceitos de novas teorias que explicam a realidade num contexto de interdependência entre tudo como sugere a Teoria Integral de Ken Wilber, a visão de Unidade Sagrada de Gregory Bateson ou ainda teorias que sondam a possibilidade lançada por Eistein do Campo Unificado como a Teoria da Supercordas.

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A revolução começa dentro de nós, no nosso espaço interior íntimo e se expande, gradual e continuamente, para o mundo exterior. Esta é a revolução que, como raça, viemos aguardando há séculos e nós estamos próximos a protagonizá-la. Uma revolução silenciosa, a Revolução do Silêncio.

 

 

Tao Te King — Canto XXXVII

Tao Te King — Canto XXXVII

 

 
O Tao é um eterno não-fazer,
e mesmo assim nada fica sem ser feito
Se os príncipes e os reis do mundo souberem como preservá-lo,
todas as coisas se farão por si mesmas
Se elas se fizerem por si mesmas, provocando a cobiça
eu as desterro pela simplicidade que não tem nome
A simplicidade que não tem nome gera a ausência de desejos
A ausência de desejos cria a serenidade
e o mundo se endireita por si mesmo
 

 
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Maria Abramovic.

Maria Abramovic.

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Marina Abramovic sempre desafiou os limites do corpo e da arte. Como o personagem que levou a arte de performance aos grandes museus e às grandes galerias, ela tem seu lugar garantido no hall dos maiores artistas do Século XX e início do Século XXI. Ela conseguiu o feito de colocar o corpo na posição de obra e a presença na posição de arte - e isso não é pouca coisa. Levou isso às últimas consequências. Seu derradeiro trabalho “The Artist is Present” é um statement que atingiu concomitantemente uma dimensão conceitual e popular que poucos momentos da história da arte foram capazes de conjugar. Sentada por dias inteiros em um salão no MoMA, pouca coisa além de sua presença, se colocava na frente do espectador. Uma aura quase espiritual tomava o processo que alimentava filas enormes em torno da performance. Sem sketch, sem objetos, sem movimento, só a presença. Trata-se de uma mestra — e como um bom mestre, quando Marina chegou neste limite ela ela olhou um pouco mais além.

Depois de oferecer sua pura presença como obra aos espectadores em 2010, Marina transcendeu o corpo e passou a fitar aquilo que é descorporificado, aquilo que está além, aquilo que pertence não à dimensão da presença física, mas aquilo que pertence à dimensão espiritual. Nessa nova fase Marina reencontrou o Brasil. Parceiro afetivo de longa data, o país é para a artista um repositório infinito de idéias, sentidos e sentimentos.

Cartaz do filme The Artist is Present, 2012

Cartaz do filme The Artist is Present, 2012

 

Brasil: Potência da Nova Espiritualidade

Esta transformação de Marina foi muito bem captada pelo documentário Espaço Além (Space in Between) — recentemente lançado aqui em São Paulo com a presença da própria artista. No filme, ela passa por uma imersão em diferentes linhas de trabalho espirituais autenticamente brasileiros — fenômenos que nasceram no solo fértil de nossa cultura interior. Lá vemos o retrato e a rota de um Brasil profundo, absolutamente necessário para o mundo hoje e também para o próprio Brasil. Em uma época crítica como a que estamos vivendo, o filme retrata um “Brasil interior” que precisa vir “para fora”, remontando um retrato e uma rota que, ao meu ver, revelam a verdadeira potência e a verdadeira vocação de nossa nação: a de ser um centro nervoso da nova espiritualidade e da nova religiosidade mundial.

Outros pensadores e agitadores culturais também vêm nos atentando para essa vocação do Brasil – a de “superpotência da espiritualidade” —  como revela o texto “Potência Espiritual” de Ronaldo Lemos publicado há algumas semanas atrás em sua coluna na Folha.

 

Maria estrangeira

Marina chegou numa encruzilhada da vida, da arte e da cultura humana. Quando chegou neste ponto, Marina fixou seus olhos no Brasil e, neste ponto, Marina virou Maria. Entidade viva do mundo da arte, como peregrina intuitiva se fez como uma entidade de nossa própria cultura, revelando a alguma parte da elite cultura brasileira uma ponte óbvia entre a arte e a espiritualidade autêntica da nossa terra. Pr isso Maria. Uma Maria estrangeira que precisa, mais uma vez, vir de fora de nosso contexto para apontar com precisão nossas riquezas. Mas não é apenas o dedo apontado para o coração de nossa nação que é o valor desta Maria, mas também o dedo apontado para o fragmento esquecido da obra de arte. Marina, com ajuda do "espírito brasileiro", chegou no ponto de perceber que a arte, assim como qualquer outra dimensão que tem o poder de “criar objetos” (como a própria ciência ou o próprio mercado) não acontece fora, mas dentro. Que a dor do objeto é apenas o despertar da consciência e uma Maria transcende a dor transcendendo a separação.  

Anteriormente, Marina, contribuiu para a história da arte com sua própria história artística ao nos fazer perceber que não apenas o objeto é a obra, mas que o processo e o artista em si também o são. Agora, como Maria, ela adentra a dimensão real dos domínios de nossa geração pós-contemporânea revelando, conjuntamente com vários outros artistas e agentes da cultura, a compreensão de que a obra está além do objeto, além do processo e além do criador. A obra é, também, o espectador. Essa integração e o entendimento de todas essas dimensões concomitantemente como criadoras da obra integral é o que podemos chamar também de espiritualidade. Em outras palavras: o espiritual e o pós-contemporâneo comungam a diversidade na unidade e a unidade na diversidade. Isso é espiritualidade. Isso é arte pós-contemporânea.

Cena do filme The Space in Between de Marina Abramovic produzido e filmado no Brasil

Cena do filme The Space in Between de Marina Abramovic produzido e filmado no Brasil

O Espectador e a caverna da Consciência

Marina reforça com isso não apenas um conceito absolutamente importante para a arte contemporânea, mas para a humanidade em si. Ela vislumbra este caminho em seu filme e encontra em nosso país o eco seminal e autêntico dessa jornada. Já na posição de entidade do mundo das artes, ela aponta o Brasil e a espiritualidade como soluções para a sua encruzilhada. Sendo o artista a antena da raça, como dizia Baudelaire, devemos nos antenar para estes sinais. Nos tornando também antenas. A arte somos nós.

Vemos pelos caminhos “errantes” de sua jornada espiritual nesse Brasil diverso que Marina é, como xamã e espiritualista, uma buscadora iniciante. Mas na dimensão da Arte é uma Mestra — e essa mestra-Maria, ao encontrar o espectador, a espiritualidade e o Brasil como respostas para a sua encruzilhada pessoal, nos deixa um sinal importante para o futuro da arte e para o nosso futuro: o sinal de que as respostas para a evolução de nossas relações com o mundo está na Consciência — esta caverna profunda e insondável, mas mágica e poderosa. Este ponto onde a física cartesiana sonha através da física quântica, o ponto onde a arte contemporânea começa a florescer no pós-contemporâneo.

Na última cena do filme Marina adentra uma caverna profunda e magnânima (talvez a própria caverna da Consciência) e ali acaba seu filme e sua transmutação através da fala profunda que é comum a todas as crianças e a todos os verdadeiros os artistas: 

“Agora, eu vou explorar!”


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O Amor como base Política.

O Amor como base Política.

Esta semana uma discussão inusitada tomou as redes sociais. O governo interino que assumiu o comando do país pelos próximos 6 meses lançou sua logo-marca e lá consta um símbolo que fora usado no período inicial da ditadura militar — a bandeira nacional com 22 estrelas. Coincidências à parte, talvez esta sincronicidade esteja a nos mostrar o quanto todo esse incêndio político está nos fazendo olhar para o que já é passado e deixar de fitar o horizonte do futuro.

"Ordem e Progresso" é o lema institucional deste “novo governo”. Achei que o momento seria oportuno para pensarmos naquela parte do lema de nosso país que ficou de fora: o Amor. Por isso, mais uma vez, relembro: “Devolvam o Amor” à bandeira de nosso país e às bandeiras de nossas causas.

Peço aqui desculpas por em momento tão “duro” de nossa história nacional voltar a este assunto tão “soft”. Mas este é o meu papel, trazer um pouco de filosofia prática para alimentar a esperança neste momento turvo. Afinal, sejamos PMDBistas, PSDBistas, PTistas ou antipartidaristas, todos queremos uma certa Ordem em nossas vidas e também algum Progresso, não é mesmo? Mas qual é o nosso princípio? De que ponto partimos? Qual deve ser o primeiro passo de nossa jornada? Quando o princípio está escondido, qualquer barbaridade pode ser justificada — Mentira, Ordem e Progresso? Ódio, Ordem e Progresso? Corrupção, Ordem e Progresso? Ganância, Ordem e Progresso? É difícil qualquer tipo de evolução autêntica e duradoura quando não conhecemos os nossos princípios, quando não sabemos no que acreditar para dar nosso primeiro e decisivo passo em direção aos nossos objetivos. Mais uma vez, no princípio de nossa história nacional Comte, grande pensador que o era — e isso não me define como um positivista, mas apenas como um admirador daqueles que gostam de pensar — nos deixou uma pista:

O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim.”

O Sonho Brasileiro

Mesmo com a resposta já ressoando na frase acima, pergunto — o que, de fato, é fundamental para a nossa vida? Ou melhor — o que de fato é fundamental para a vida humana? Muito pensamos sobre isso, cinco anos para sermos mais exato. Começou como uma pergunta, evoluiu para uma pesquisa aberta — O Sonho Brasileiro — e agora se tornou uma resposta clara e simples — jamais simplista.

Video do Projeto da BOX1824 realizado em 2011 “O Sonho Brasileiro” — relembrando um outro momento e um outro Brasil. A geração retratada por este estudo está ainda distante do poder, mas a cada ano, mais próximo de sua potência.

Hoje, como pensador cultural, depois deste e muitos outros estudos tenho claro que a essência do “Sonho Americano” é uma: a Liberdade e a essência do “Sonho Brasileiro” é outra: o Amor. Este, no entanto, é tópico para outro artigo e muitos outros ensaios e teses. Deixo essa defesa para o futuro. Por ora, voltemos ao Amor em si e ao que se propões este ensaio.

Amor. A resposta para nossas buscas parece um clichê, mas estou mais do que satisfeito com seu potencial e, estudando com mais atenção, estou bastante contente com sua importância histórica. O Amor mereceu a atenção de boa parte dos grandes pensadores deste mundo e de grandes artistas e, agora, porque não mereceria a nossa atenção? Platão, Aristóteles, Shakespeare, Nietzsche ou mesmo um carismático agitador que ficou conhecido como Jesus de Nazaré falaram bastante sobre esse clichê e depois disso tudo, para minha surpresa, encontrei o clichê nas origens da bandeira de nosso país. Meu maior desejo hoje como cidadão global e brasileiro é ver a tal resposta estampada no centro do maior símbolo de nossa nação. Esse é o pedido que, como cidadão, faço novamente (e quantas vezes forem necessárias) aos nossos governantes do futuro (não aos do passado) e faço a você, meu co-cidadão: gostaria de ver a palavra Amor estampada na bandeira de nosso país!

Este é um direito nosso e de todas as pessoas que virão depois de nós por estas terras — ver a palavra Amor estampada na bandeira deste país. Pense nas crianças que crescerão olhando e se perguntando de forma simples e espontânea: o que é o Amor? Pense em nossas aulas de civismo e civilidade levantando o tópico do Amor como direito e dever dos cidadãos? Pense em nossas vozes cantando o hino inteiro de nosso país em estádios ao fitar com olhos marejados uma bandeira que estampa a palavra Amor tremulando ao vento. Quais as consequencias disso? Não sei, mas quero provar.

Um país se faz além da política. Um grupo se constrói além de acordos. É preciso de um grande coração meus amigos, é preciso muito Amor para se construir uma Família Positiva de verdade. Mas para que tocar em um sentimento tão antigo e polêmico? Ainda mais em um momento tão conturbado e incerto como o que vivemos? Porque reforçar uma palavra que tanto já foi distorcida? Porque assumir algo tão subjetivo e distante de nossa dura realidade nacional? Porque é justamente nos momentos de crise como essa que precisamos voltar aos valores essenciais da humanidade e entender qual foi a falha nestes valores que nos trouxe para a posição que chegamos até aqui.

 

Devolvam o Amor

O Amor é a base de tudo que é valioso na vida humana. O Amor é um princípio soberano que precisa ser melhor compreendido afim de ser verdadeiramente vivido. Aprendemos a falar sobre a palavra Amor sem saber nem de perto do que se trata. Aprendemos a lê-la sem ter nem o vislumbre do que significa. Ela se tornou a água inodora e insípida que esquecemos de tomar por não ter a intensidade dos refrigerantes de nossos mercados.

Apesar disso tudo, tenho a convicção de que nasci, assim como muitos de meus contemporâneos e conterrâneos, para resgatar o Amor. Muitos de nós nascemos para que ele tenha o seu espaço em nosso tempo e também mais tempo em nossos espaços. Àqueles que pensam que o Amor é assunto sonhador demais para se tornar pauta, tenho pena de suas ambições áridas e sua falta de vocação ao sonho. Para aqueles que já entendem que o Amor é a leveza e a destreza que dão cor a todos os nossos atos — do mais simples ao mais magnânimo — meu contentamento e alegria! A batalha que temos em nossa frente não é simples e a miga que alimenta o corpo do soldado é Ele, o Amor. Por isso o brado da nossa última e definitiva batalha, dure ela 10 ou 1000 anos, é essa:

Devolvam o Amor!

Este texto foi originalmente publicado no Medium do Autor

O dia em que respirei.

O dia em que respirei.

Como aprendi a meditar espontaneamente inspirado pelo tédio da adolescência, dois pulmões e uma palmeira bailarina.

Eu tinha 17 anos quando algo incrível me aconteceu. Eu estava voltando da escola em uma tarde qualquer. Andava um pouco triste pois estava sob as condições climáticas de um quarto ou quinto amor platônico não correspondido e, além disso, tinha me dado mal numa prova de matemática que acabara de receber pela manhã. Era o último dia de provas do colégio e agora, na primeira nota que recebia, tinha me dado mal. Seria o prenúncio de um ano ruim? Sei lá, estava exausto. Lembro bem daquele melancólico dia ventoso.

Chegando em casa, onde morava com meus pais e meus irmãos, procurei alguma coisa na geladeira para relaxar a mandíbula. Nada. Preferi tomar um copo de água. Fui para o meu quarto, joguei minha mochila no chão, como costumava fazer, e sentei em minha cama. Estava cansado, mas meu corpo estava bem. Acho que era apenas minha cabeça. Fiquei ali, sem sono, olhando pela janela.

Lá longe, a última coisa que conseguia ver por sobre os telhados de meus vizinhos era uma longínqua palmeira. Ela balançava com preguiça, toda escabelada. Parecia ventar forte, você via na inclinação de seu movimento. Mas do conforto do meu quarto eu enxergava aquela palmeira dançando suave. De um lado para o outro, vagarosamente, quase em câmera lenta. Ela balançava da esquerda e para a direita. Da direita para a esquerda. De novo e de novo. Estava quase hipnotizado, quando tive uma das melhores ideias de minha vida. Não sei porque, resolvi sincronizar a minha respiração com o pendular da palmeira.

Como em uma brincadeira — dessas que só o imenso tédio da adolescência tem a capacidade de criar — passei a inspirar quando a palmeira envergava à esquerda e a espirar quando ela envergava à direita. Minha respiração acompanhava o movimento exato da planta bailarina. De um lado para o outro. De um lado para o outro. Lentamente. Quando me dei conta, estava com os olhos fechados, mas com minha atenção voltada para algo que eu nunca havia realmente prestado atenção: minha respiração.

Estava agora com a atenção totalmente voltada para o ato de respirar. Percebia o modo como o ar entrava em minhas narinas, como ele descia por minha garganta e se expandia em meu peito e barriga. Sentia o ar entrando um pouco mais gelado e saindo um pouco mais quente. Pensei — brincadeira prazerosa essa, mas vamos ver onde isso pode dar. Querendo ir mais fundo, passei a respirar ainda mais lenta e profundamente. Percebi que a tensão negativa da prova de matemática e da menina que gostava escorriam pelo meu corpo na medida que respirava. Percebi outros desconfortos mais profundos e menos identificáveis escorrendo pelo meu corpo também. Continuei respirando. Continuei derretendo as sensações ruins e os sentimentos negativos que, curiosamente, eu conseguia enxergar no meu corpo só pelo fato de ter ficado sentado em minha cama brincado com meus pulmões.

A alegria misteriosa.

Continuei respirando. Respirando e respirando. Até que em determinado momento, quando já havia há muito me esquecido da matemática, da menina ou da palmeira e mesmo de minha respiração, eu passei a sentir um prazer que parecia surgir de um ponto de dentro de mim. Ele vinha da minha barriga, mas estava muito mais dentro do que o estômago. Ele era pequenino e começou a se alastrar por todo o meu corpo. Era uma espécie de alegria que se expandia com carinho pelo o meu peito, pelos meus braços, por minhas pernas, pescoço, cabeça, têmporas, olhos, boca, tudo. Era alegria mesmo. Pura. E meu corpo formigava. Vinha junto uma vontade de agradecer meus pais e meus irmãos, meus amigos, o pessoal da rua, meus colegas, a professora de matemática, a menina. Enfim, queria levantar correndo daquela cama e abraçar a todos. Quase fiz isso. Mas sabiamente voltei para a minha respiração e controlei a força que surgia de dentro de mim. O prazer incontrolável e a alegria misteriosa que surgia simplesmente pelo fato de eu estar vivo.

Quando retomei a concentração na respiração e não no sentimento lembro que aquela força se transformou em uma brisa sutil dentro de mim. Uma brisa ainda mais alegre e realizada do que o prazer imenso que estava sentindo a segundos atrás. Como era possível? Naquele momento um sorriso interno tomou conta de todos os meus pensamentos, de toda a minha psiquê, de todo o meu ser. Aquele era o sentimento mais completo e incrível que eu havia sentido em toda minha vida. Mais incrível do que tirar 10 em matemática, do que beijar a menina que era apaixonado, do que marcar quatro gols em um jogo. Mais incrível do que um orgasmo de frente para o mar ou do que vencer o campeonato estadual de basquete fazendo uma sexta no último segundo. Entendi naquele momento que tudo o que passamos nessa vida serve para que possamos ter apenas aquela experiência que estava sentindo naquele momento. Esse entendimento me vinha junto com uma alegria cada vez mais completa e realizada. As duas coisas — entendimento e alegria — eram uma coisa só.

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Alguns minutos depois passei a enxergar internamente um grande homem, ele tinha o tamanho de uma montanha ou de um planeta embora estivesse dentro de mim. Ele estava sentado como, de uma forma intuitiva, eu também me encontrava sentado. Na posição de pernas cruzadas. Para mim aquilo chamava “sentar como índio”, mas algum tempo depois descobri que chamava-se posição de lótus. Então pensei, é isso que aqueles budas ou monges que vestem aqueles panos em volta do corpo fazem nas montanhas lá na Ásia. É isso.

Eu tinha certeza e continuava sorrindo sutilmente. Então é por isso que eles tem aquele sorriso pequenininho. Então é isso. É isso então o que as pessoas chamam… com é mesmo? Meditação.

Lembro bem, esse foi meu último pensamento envolto por aquele sentimento maravilhoso que eu tinha descoberto pela primeira vez. Aos poucos, fui voltando daquele êxtase. Não fiquei nem um pouco triste ou mexido por estar voltando, de alguma forma sabia que tinha de ser assim e que assim era melhor. Fui abrindo os olhos. Com tranquilidade e ainda com o leve sorriso nos lábios estiquei o meu braço e peguei o meu caderninho de ideias que estava em cima da escrivaninha ao lado da cama. Anotei as seguintes palavras que resumem o entendimento que tive daquela experiência sublime naquela ventosa tarde:

 

“Assim como os peixes nadam e as aves voam, o homem medita.”

 

 


*se você quiser conhecer uma técnica simples e poderosa de meditação para o seu dia-a-dia dê uma olhada nesse post sobre Mindfulness Response.


Post também publicado em medium.com/@joaocavalcanti

 

Use a crise ao seu favor, aprenda a meditar.

Use a crise ao seu favor, aprenda a meditar.

Mindfulness Response: uma técnica simples e poderosa para se viver bem em tempos de crise.

Eu medito há 15 anos. Nesse tempo descobri alguns atalhos no processo que, pelo menos para mim, fizeram toda a diferença até aqui. Vou explicar aqui um deles em específico que, acho, pode fazer a diferença na sua vida também. Eu comecei a meditar espontaneamente aos 17 anos de idade. Sem treino, mestre ou panfleto. Apenas conectei com a minha respiração e Bingo! — fui arrebatado por uma sensação que nunca havia sentido, que jamais esqueci e que, a partir daí, passei sempre a perseguir. A história de minha auto-iniciação vale a pena ser contada, mas vou deixar isso para outra hora. Agora vou me concentrar no centro da experiência meditativa, ou melhor, no efeito posterior à experiência meditativa — naquela leveza que fica depois de você ter tido alguns minutos de contato profundo com aquilo que, de fato, é chamado meditação.

Meditar é como deixar a janela aberta para que uma hora a brisa entre.

Muitos sentam para meditar, mas poucos meditam. Muitos destes poucos que conseguem meditar sabem que a experiência verdadeiramente meditativa é algo raro, não ocorre todos os dias. É como a brisa que entra pela janela. Não é sempre que ela entra, mas para que ela entre é preciso deixar a janela aberta. Meditar é como deixar a janela aberta — para que um dia a brisa entre. A brisa, nesta caso, é um estado de aceitação tão puro que você passa acessar e simplesmente aceitar as respostas óbvias aos seus questionamentos mais profundos — e passa a compreender grandes porções da vida em si. Na verdade, você se torna a própria compreensão. A brisa é a compreensão silenciosa que a meditação verdadeira entrega ao meditador.

Depois dessa revelação onde a sua própria natureza se apresenta diante dos seus olhos, você se mescla com este estado de leveza e pode senti-lo em atividade muito tempo depois de ter se parado sua meditação. A compreensão e a leveza são, podemos dizer assim, os efeitos colaterais da experiência meditativa autêntica. Meditar diariamente pode mudar o seu modo de ser simplesmente pelo fato de fazer com que esses estados de compreensão e leveza se tornem a base da sua vida. Você pode passar a se sentir realmente centrado — e é este centro que a meditação me ensinou a sempre perseguir.

Mindfulness e o mundo.

Somos humanos, é claro, e pouco entendemos de centro. Estamos mais para bêbados equilibristas do que para santos centrados. Mas precisamos tentar. Vale a pena! Ainda mais em tempos turbulentos como o que vivemos hoje, onde toda a mídia, toda a sociedade e todos os fatos parecem estar comprometidos a nos tirar do centro a nos fazer perder o eixo.

Para entender melhor como chegar neste tão sonhado centro é importante lembrar que existe algo que está totalmente conectado com a esta ideia de centro. Este algo é a atenção. A meditação é uma espécie de exercício definitivo para a nossa atenção. Tanto que muitos cientistas, meditadores e estudiosos tem chamado o estado meditativo de estado de Atenção Plena ou, em inglês, Mindfulness.

Grupo de Estudos de Meditação e Evolução da Consciência com Jon Kabat Zinn em Harvard, Boston

Grupo de Estudos de Meditação e Evolução da Consciência com Jon Kabat Zinn em Harvard, Boston

O termo mindfulness está em voga. O principal defensor do termo e talvez seu maior difusor de todos os tempos é Jon Kabat Zinn, um doutor em medicina de Harvard que tem provado cientificamente há mais de 30 anos os efeitos curativos da meditação — e isso não é pouca coisa. Ele é um dos papas do tema e da relação ciência-espiritualidade como novo estilo de vida. Por este e outros motivos, gosto também de usar o termo mindfulness — e a técnica que tenho a compartilhar a vocês, apesar de absolutamente simples, é chamada de Mindfulness Response. Traduzindo para o português ficamos com algo como: Resposta de Atenção Plena.

Resposta de Atenção Plena ou Meditação Responsiva

A Resposta de Atenção Plena é uma micro-meditação que pode nos ajudar nos momentos de pane — ou seja, naqueles momentos em que somos tomados por uma onda de ansiedade e nem sabemos da onde ela vem. Portanto, quando você sentir algo como um “choque negativo” no seu sistema ou aquela onda de “calor de ansiedade” siga imediatamente os seguintes passos:

1. quando perceber que está sendo invadido por uma onda de ansiedade ou pensamentos truncados tome consciência deste ‘desconforto cognitivo’;
2. pare na hora o que está fazendo e proponha-se a isolar-se por um minuto para entrar em contato com o poder do Silêncio;
3. procure um lugar com mais privacidade e ajeite-se na cadeira, no chão, em pé ou onde estiver e sentir-se mais confortável;
4. mantenha a espinha ereta, a atenção no seu corpo e feche os olhos;
5. coloque a atenção agora na sua respiração;
6. passe a respirar profundamente inalando e exalando o ar vagarosamente;
7. repita isso por 10 vezes com o máximo de atenção possível. Dez respirações profundas e vagarosas são, em média, o equivalente a um minuto;
8. alguns pensamentos podem ocorrer nesse minuto, mas não se preocupe com eles, continue atento à sua respiração e feche o ciclo de 10 respirações;
9. depois deste pequeno ciclo de Atenção Plena você já estará mais tranquilo e os efeitos deste contato com o Silêncio se desdobrarão nos próximos minutos;
10. repita a técnica sempre que sentir uma nova onda de ansiedade e desconforto.

Isso que acabou de ser descrito é uma micro-meditação ou uma Resposta de Atenção Plena. Uma resposta a quê? À uma onda de ansiedade que invadiu a sua cabeça e o seu corpo em determinado instante do dia.

Essa é a chave desta técnica. Sempre que você sentir o mal estar do “calor da ansiedade”, pare imediatamente o que você está fazendo (se isso for possível, claro!) e pratique este minuto de silêncio. Minuto, aliás, que grandes mestres meditadores e mesmo movimentos por uma vida mais equilibrada têm defendido com bastante empenho. Faça isso quantas vezes forem necessárias ao longo do seu dia. Se você for fiel à técnica, quanto mais ansioso você for mais vezes você meditará. Tente ser fiel a este método por 21 dias — que é o tempo que se sabe que é definitivo para a implementação de qualquer novo hábito em nossa vida. Meditar é como se alimentar — é importante para a sua sobrevivência e precisa ser feito todos os dias enquanto você estiver zanzando por este planeta.

Quanto mais ansioso você for mais vezes você meditará.

Eis um paradoxo que tenho observado em minha prática: medito mais em tempos conturbados do que em tempos de paz e tranquilidade. Até porque acho que a mente tende a estar em uma espécie de estado meditativo natural em tempos de tranquilidade. Mas isso aqui é uma daquelas coisas que explica que em tempos de Crise também existe oportunidade. Use a crise ao seu favor, aprenda a meditar.

O Mindfulness Response ou Resposta de Atenção Plena é, dentro de minha experiência pessoal, uma das técnicas mais eficazes para combater os distúrbios do nosso dia-a-dia e nossa ansiedade crescente. Podemos chamá-la também de Meditação Emergencial ou Meditação Responsiva. Dando a ideia de que ela é uma ação em resposta aos nossos picos de ansiedade cotidiana -que aumentam em épocas de incerteza.

Como diz o velho dito, tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo — e para isso, nunca esqueçam do elemento base que faz essa equação poder existir: a respiração! A respiração está no coração de quase todas as técnicas meditativas. Em poucas palavras, ela é o segredo dos grandes meditadores — das tradições antigas aos métodos científicos contemporâneos. Lembre-se a respiração é a chave do Yoga. Use a sua ansiedade e mal-estar como um gatilho para reconectar à leveza e ao bem estar — sempre através da respiração e do Silêncio Criativo.


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